As Sete Lágrimas de Pai-Preto
    
    Ainda bastante atual este texto do saudoso Mestre Yapacany, 
      é  uma chamada a uma reflexão íntima de todos os Umbandistas e simpatizantes.
      Livro: Lições de Umbanda e Quimbanda – W.W. Da Matta e Silva
    
      Foi uma noite estranha aquela noite: queda - estranhas vibrações afins  penetravam meu Ser Mental e me faziam ansiado por algo, que pouco a pouco, se  fazia definir…
    
    Era um quê desconhecido, mas sentia-o como se estivesse em  comunhão com minha alma e externava a sensação de um silencioso pranto… Quem do mundo Astral emocionava assim um pobre “eu”? Não o  soube, até adormecer…e “sonhar” … Vi meu “duplo” transportar-se, atraído por cânticos que falavam  de Aruanda, Estrela Guia e Zambi; eram as vozes da Senhora da Luz Velada,  dessa Umbanda de Todos Nós que chamavam seus filhos-de-fé…
      E fui visitando Cabanas e Tendas, onde multidões desfilavam…  
    Mas, surpreso ficava com aquela “visão” que em cada Tenda eu “via”,  invariavelmente, num canto, pitando, um triste Pai-Preto chorava. De seus “olhos” molhados, esquisitas lágrimas desciam-lhe pelas  faces e, não sei por que, contei-as… foram sete.
      
    Na incontida vontade de saber, aproximei-me e o interroguei: 
      - “Fala, Pai-Preto, diz ao teu filho por que  externas assim uma tão visível dor?”
      
    E Ele, suave, respondeu: - “Estás  vendo essa multidão que entra e sai? 
      As lágrimas contadas, distribuídas estão a  cada uma delas…
      
    A primeira eu a dei a esses indiferentes que aqui vêm em busca  de distração, na curiosidade de ver, bisbilhotar, para saírem ironizando  daquilo que sua mente ofuscada não pode conceber.
      
    Outra, a esses eternos duvidosos que acreditam, desacreditando, na  expectativa de um ‘milagre’ que os façam ‘alcançar’ aquilo que seus próprios  merecimentos negam.
      
    E mais outra foi para esses que creem, porém, numa crença cega,  escrava de seus interesses estreitos. São os que vivem eternamente  tratando de ‘casos’ nascentes, uns após outros…
      
    E outras mais distribui aos maus, aqueles que somente procuram a  Umbanda em busca de vingança, os que desejam sempre prejudicar a um ser  semelhante – eles pensam que nós, os Guias, somos veículos de suas mazelas, paixões,  e temos obrigação de fazer o que pedem… pobres almas, que das brumas ainda não  saíram...
      
    Assim, vai lembrando bem, a quinta lágrima foi diretamente aos  frios e calculistas – não creem, nem descreem; sabem que existe uma força e procuram  se beneficiar dela de qualquer forma. Cuida-se daqueles que não conhecem a palavra  gratidão, negarão amanhã até que conheceram uma casa de Umbanda… Chegam suaves,  têm o riso e o elogio à flor dos lábios, são fáceis, muito fáceis; mas se  olhares bem seu semblante, verás escrito em letras claras: creio na tua Umbanda,  nos teus Caboclos e no teu Zambi, mas somente se venceram ‘meu caso’, ou me  curarem ‘disso ou daquilo’ …
      
    A sexta lágrima eu dei aos fúteis que andam de Tenda em Tenda,  não acreditam em nada, buscam apenas aconchegos e conchavos; seus  olhos revelam um interesse diferente, sei bem o que eles buscam...
      
    E a sétima, filho, notaste, como foi grande e como deslizou  pesada? Foi a ÚLTIMA LÁGRIMA, aquela que ‘vive’ nos olhos de todos os Orixás: fiz  doação dessa aos vaidosos, cheios de empáfia, para que lavem suas máscaras e  todos possam vê-los como realmente são… “Cegos, guias de cegos”, andam se  exibindo com a Banda, tal e qual mariposas em torno da luz; essa mesma LUZ que  eles não conseguem ver porque só visam à exteriorização de seus próprios ‘egos’  …
    ‘Olhai-os’ bem, vede como suas fisionomias são turvas e  desconfiadas; observai-os quando falam ‘doutrinando’: suas vozes são ocas, dizem  tudo de ‘cor e salteado’, numa linguagem sem calor, cantando loas aos nossos  Guias e Protetores em conselhos e conceitos de caridade, essa mesma caridade  que não fazem, aferrados ao conforto da matéria e à gula do vil metal. Eles não  têm convicção...
    
    Assim, filho meu, foi para esses todos que viste cair, uma a  uma, AS SETE LÁGRIMAS DE PAI-PRETO!”
    Então, com a minha alma em pranto, tornei a perguntar: 
      - “Não  tens mais nada a dizer, Pai-Preto?”
      
    E, daquela “forma velha”, vi um véu caindo e num clarão intenso  que ofuscava tanto, 
    ouvi mais uma vez:
    - “Mando a luz da minha transfiguração para aqueles que  esquecidos pensam que estão… 
    ELES FORMAM A MAIOR DESSAS MULTIDÕES!!!” … 
    São os  humildes, os simples, estão na Umbanda pela Umbanda, na confiança pela razão…  
    SÃO OS MEUS FILHOS-DE-FÉ. 
    São também os ‘aparelhos’, trabalhadores silenciosos  cujas ferramentas se chamam DOM e FÉ, 
cujos ‘salários’ de cada noite são  pagos quase sempre com uma só moeda 
que traduz o seu valor numa única palavra –  a INGRATIDÃO…”
        
    Os Sete Sorrisos de um Pai-Preto
    Estava eu pensando nas sete lágrimas de um Preto-Velho, quando me  veio à mente: temos como fazer um Preto-Velho sorrir? Foi quando um Pai-Preto,  sentado em um toco, me chamou e me disse:  
      - “Sim  filho meu, nós também os nossos sete sorrisos”...
      
    Ele me levou a um terreiro, sentou em seu banquinho e, começou a  pitar o seu cachimbo quando percebi que seus olhos brilhavam em sua face, com  muita ternura e alegria. 
    Então, na incontida vontade de saber o motivo, me aproximei,  mais uma vez, e o interroguei: 
    - “Fala,  meu Preto-Velho, diz ao teu filho porquê externas assim uma visível alegria?”
    Ele suavemente se levantou do seu banquinho e me respondeu:
      - "É para aquele que, no caminho de sua vida, procurou e aprendeu!
      
    
      O primeiro sorriso vai para as pessoas que verdadeiramente  vieram em busca de Zambi, 
      colocando-O dentro de seu coração. Vai para o médium  que está sempre zelando por sua conduta e equilíbrio espiritual, sendo que,  quando um Preto-Velho ou outra entidade chega ao Terreiro, 
      o mesmo o trata com muito  carinho.
    O segundo sorriso vai para aquelas pessoas que vieram em busca  da paz 
    para si e para todos os que estão a sua volta.
    O terceiro sorriso é pelos médiuns que verdadeiramente  sacrificam-se deixando, muitas vezes, de viver a sua vida para se dedicar ao  seu próximo. Esse meu sorriso amoroso vai para os médiuns que estão dispostos a  ajudar e a zelar pela casa de nosso Pai. São os que chegam cedo no Terreiro para  ajudar, sem preguiça. Também para os que vêm fora do dia da gira para organizar  a Casa religiosa, pela sua própria vontade, e que muitas das vezes são os  primeiros a chegarem nas giras e os últimos também a saírem. Os Orixás têm um  carinho muito especial por esses, pois eles cuidam da ‘nossa casa’ nestas  terras.
    O quarto sorriso vai para a assistência, quando olhamos para  eles e vimos, através de seus olhares: a humildade, a solidariedade, a igualdade  e a vontade de receber a caridade, pois estes olhares são de sentimentos que  brotam em nossos corações.
    O quinto sorriso é pelo consulente que vem até junto de nós e  fala: hoje, meu Preto-Velho, não vim para pedir e, sim, para agradecer a nosso  Pai Oxalá por tudo que recebi. É que a gratidão é uma das virtudes mais  perfeitas, é ela que abre os vossos caminhos.
    O sexto sorriso é pelo  zelo com que o dirigente da Tenda tem por nossa amada UMBANDA, pelos seus  irmãos, pois muitas vezes, por sua tamanha humildade, a/o Mãe/Pai de Santo nem  sabe a tamanha referência que é para todos.
    O Sétimo sorriso é por agradecimento aos Orixás e aos seus Falangeiros,  pois é por intermédio deles que Zambi nos dá a oportunidade de podermos  praticar a caridade e galgar os nossos caminhos na vida espiritual.
      
      É assim, meu filho, é que nasce cada sorriso de um Preto-Velho!”
 
    